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Carta aberta de uma trans. PART I

  • Foto do escritor: ledavalentinne
    ledavalentinne
  • 27 de fev. de 2015
  • 6 min de leitura

Ola! Me chamo Leda Valentinne, você chegou aqui talvez por mera curiosidade ou por apenas gostar de mim, mas vou logo avisando a carta é longa, realista e problemática (Como a vida de ume trans, vivendo nessa sociedade, normalmente é). Tudo começou quando eu me olhava no espelho, tirava fotos e não me sentia satisfeta em nenhuma delas e não é por não ser fotogênica e sim por ter uma aparência, um corpo e um órgão sexual, que não pertence a mim, que não me faz bem e eu infelizmente tive que lidar com isso durante longos e longos anos, até que um dia resolvi me emponderar, e ser emponderada e ter orgulho e se assumir trans, é saber e ter mente forte, porque o que vem por ai, ao invés de melhorar só tende a piorar, e não falo que não é uma felicidade imensa pra mim ser mulher trans e realmente me encontrar da forma como eu sou, porém eu me sentir bem, forte, não me inibe de sofrer da transfobia, mesmo que a sua opinião seja "uma brincadeirinha" e por muita das vezes o preconceito não esta no espancamento ou em matar, mas saiba o que sempre é dito e talvez você já esteja cansade de ouvir:"Palavras matam pessoas a cada dia", mas você apenas acha que "é coisa da minha cabeça", "só estava brincando".

Eu acordava as 5 da manhã pra ir pro trabalho, em uma carta, até publicado pelo blog "T de quê?" onde eu desabafava sobre a minha dor, onde eu falei sobre a minha representatividade trans por abrir portas e caminhos para trabalhar dentro do tribunal. Mas vamos começar do inicio não? Pra ficar mais fácil de entender o meu desabafo e o meu choro nessa carta. Tudo começou quando, eu me assumi pra todos da minha família, de que eu não era homem e de que eu não me exergava como um, (imagina você estar quase terminando um jogo de vídeo game e você ter que resertar tudo de novo, porque na fase final você perde? E isso da uma preguiça, tristeza de tentar desconstruir a transfobia e levar novas informações aos meus famíliares, porém, foi o mesmo que chutar um cadáver, infelizmente, fui expulsa de casa! Sim gente, durante quase 1 ano e 3 meses morei na rua, e o meu unico sustento era fazer chockers, cordões e vender, pra pelo menos ter o que comer e sustentar as apostilas do concurso do Tribunal/TJ, já que era uma ambição minha, por motivos de: Abrir novos caminhos a pessoas trans a entrar ao mercado de trabalho, já que hoje em dia, infelizmente não é algo que vemos acontecer. Eu lutei com todas as minhas forças, chorei, fiquei exausta e graças a minha Deusa, que não me deixa só em nenhum momento, me deu a capacidade de passar no Enem, e ser uma das 98 pessoas trans a fazer o enem e passar para o concurso e também passar para o Tribunal/TJ, sendo a primeira moça trans a ser efetivada em um meio "machista, misógino e transmisógino".

Minha rotina diária é assim: 6 da manhã vou para o ponto de ônibus e não sou transicionada, porém ando da forma como gosto e como me vejo, maquiagem não tão forte, porém pra esconder a olheira, por não dormir (Já falei né? Acho que não, eu não durmo a noite e não é por falta de sono e sim porque é unico tempo que tenho pra estudar pra faculdade a noite) eu estava me esforçando ao máximo pra ter um futuro digno e o melhor abrir caminho a outras pessoas trans a participarem também e não se esquivarem porque o machismo e a transfobia os calam. Eu gastei todo o meu tempo do mundo, vendendo coisas, estudando, chorando de dor e todas 6 da manhã estava eu lá no ponto de ônibus, vendo o sol nascer ainda, sentindo aquela brisa fria de manhãzinha batendo no rosto, aquele cheirinho maravilhoso de café, que a vizinhança fazia, que invadiam as minhas narinas e é hora de encarar a realidade não? Um ônibus lotado, onde você vai em pé, com pesos e pesos, onde o trânsito na Avenida Brasil é a coisa mais horrível do mundo de engarrafado e você sem dormir e ter que ir trabalhar e ainda ter que aturar piadinhas de mal gosto e aquela transfobia e machismo, de me objetificarem como apenas um pedaço de carne e depois ouvir que sou "um demonio", "que sou ridículo" e ter que aturar todos aqueles olhares estranhos e risos de manhã cedo, "bem! vamos lá Leda respira fundo, porque você é forte e você chegou ate aqui". Coloco meus fones de ouvido e vou escutando música até a Ilha do Governador, onde atuo ou atuava (Ah! Já entreguei de mão beijada que fui demitida de um emprego que conquistei por força) e uma coisa que eu esqueci de falar, moro em comunidade e não tenho condições alguma nem pra comer muita das vezes. E enfim, chegamos onde trabalho, aquela brisa fria ainda batia no meu rosto, por trabalhar quase ao lado da Baia de Guanabara e aquele fedor, por sujarem a Baia, mas ainda podia sentir aquela maresia gostosa que vinha pelo ar, minha esperança era chegar no meu emprego e focar meus pensamentos em outras coisas, pra me refúgiar e esquecer de tudo o que sofro diáriamente. (Eu falei com vocês que sou gorda? Pois é, uma das coisas que ouvi ultimamente foi:"Nossa, querendo ser mulher e ainda gorda, não da pra virar garota de programa, vai a falência assim") ofensas e humilhações a parte nesse momento, quero voltar ao foco do meu emprego.

Faltava-se um mês para ser efetivada ao emprego, estava tudo ocorrendo bem, o setor que eu trabalhava parecia ser maravilhoso, as pessoas conversam como se eu fosse um ser humano normal, ali dentro fui acolhida, porém não por todos. A inveja e a transfobia infelizmente ganhou voz ali dentro e fui mandada embora, por um simples motivo... "Roubaram quase 2 milhões de reais da empresa" e eu por ser travesti e da periferia o que fizeram? Sim, culparam a mim, sem terem provas nenhuma e fui pra rua. Ta bom ou querem mais? Então vamos lá, na volta pra casa, já exausta e mal pelo que tinha ouvido e por ter sido rejeitada por não fazer o padrão de "mulher", que na realidade "eu não era uma mulher e que o meu lugar era me prostituindo". Entro no ônibus e escolho o melhor lugar, pra esconder o meu rosto. Naquele momento, eu só pensava em chegar em casa, me trancar no meu quarto, esconder a minha cara no travesseiro e chorar, porém respirei fundo, antes que as lágrimas descessem e continuei dentro do ônibus. Um moço muito simpático, até então estávamos conversando e falando sobre os problemas e as dores da vida, porém já estava começando a desconfiar, normal, você nunca pode levar um homem cis qualquer a sério, ainda mais dentro de um ônibus em horário de pico, eu senti suas mãos subir pela minha perna e eu reagi e me defendi, ao tomar esta atitude fui jogada porta a fora do ônibus e mais uma vez Leda Valentinne sofreu mais uma humilhação.

As pessoas me perguntam o por que de eu levar tanto a sério a questão da transfobia. Mores, levo a sério pelo simples fato de todo dia ter que me esconder atrás de burqas e de auras, pra agradar a sociedade e não ser humilhada, mas acho que o meu desabafo e a minha carta aberta ajudaria um pouco a dizer a vocês o por que de levar a sério a transfobia, porque a dor ela não é uma dor qualquer e não é um motivo pra se brincar é uma dor e uma dor diária, onde o medo impera em saber se você vai estar viva amanhã ou não. E quando começamos a lutar, pra pedir respeito falam que queremos privilégios e nos fazem engolir goela abaixo suas crenças e suas opiniões fúteis e que não pedimos.

Queria continuar falando mais coisas, porém só queria dizer sobre esse acontecimento e que ainda mexe comigo. *Sobre gordofobia, juro que voltarei em próximos posts a falar sobre, em uma segunda carta minha*. Porém, só fiz essa carta pra você cis, pessoas privilegiadas, que precisam desconstruir, preste bem atenção na dor de uma moça trans e dê valor a isso.

Obrigada!

 
 
 

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